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Mindfulness Para o Dia a Dia

O que é a compaixão segundo a psicologia? Tem a ver com mindfulness?

Marcelo Demarzo

20/06/2018 04h00

Crédito: iStock

A palavra "compaixão" gera muita confusão em português, sendo frequentemente confundida com "piedade" ou "dó", o que implica num sentimento de superioridade em relação à pessoa que está mal. Por outro lado, a compaixão tem entrado cada vez mais na medicina e psicologia como uma ferramenta para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, cada vez mais valorizadas nas comunicações interpessoais, em especial no ambiente de trabalho (é uma das bases do que chamamos de inteligência emocional).

A psicologia moderna define a compaixão como "o sentimento que surge quando se testemunha o mal-estar (sofrimento, estresse) do outro (ou o próprio), e que gera a motivação ou desejo de ajudar (ou de se cuidar)". A compaixão então é vista como uma "motivação" (não uma emoção) que orienta o comportamento humano. Esta definição é muito semelhante aos conceitos descritos na filosofia budista.

Mas porque desenvolver a compaixão?

Podemos entender melhor a importância da compaixão, compreendendo seus 3 componentes da autocompaixão, segundo a pesquisadora Kristin Neff:

1.- Mindfulness (Atenção plena). Consiste em tornar-se consciente e reconhecer o próprio sofrimento e dos outros, sem julgamento ou crítica. Não se nega o sofrimento ou se foge dele, como a maioria das pessoas faz. Essa fase é fundamental, porque não podemos sentir compaixão se eu não houver sofrimento ou mal-estar (o qual é extremamente comum hoje em dia, associado ao que chamamos de estresse).

2.- Humanidade compartilhada. É a ideia de que o sofrimento ou estresse que experimentamos está sendo experimentado por milhares de pessoas neste momento. E que milhares de pessoas experimentaram isso no passado, ou irão experimentá-lo no futuro, porque o sofrimento é inerente à natureza humana. Para ficar claro, podemos falar dos "grandes sofrimentos", como a doença, o envelhecimento e a morte, e dos "pequenos" sofrimentos, que são os fatores de estresse do dia a dia (como o trânsito). O oposto da humanidade compartilhada seria o "isolamento", ou a ideia de que o sofrimento "é só comigo", acreditando que nossa situação é única. Pode ser libertador entender que o sofrimento é universal, e não é "pessoal", porque senão começaremos a "nos culpar" pelo sofrimento, o que piora a situação.

3.- Auto-gentileza. Implica auto cuidado e compreensão para consigo mesmo (e com o outro) quando se experimenta o sofrimento. É o contrário de criticar, ou da voz autocrítica (culpando-se excessivamente ou negando a própria dor). A imagem que podemos usar é a de quando cuidamos de uma criança desamparada ou um amigo muito querido. O oposto seria a culpa destrutiva.

Assim, aplicando a compaixão a nós mesmos (autocompaixão), seria a possibilidade de entender nosso mal-estar ou sofrimento de outra perspectiva, com menos culpa e autocrítica. A culpa excessiva é a base do chamamos de "ruminação" (remoer interno), que é base de quadros como depressão e ansiedade.

Aplicado aos outros, seria a possibilidade de entender que o que a outra pessoa está sofrendo ou sentindo é algo compartilhado por todos nós, ou seja, da natureza humana, gerando uma relação mais horizontal, permitindo que se abra espaço para a motivação de ajudar (e não apenas sentir pena).

O lado mais difícil seria a compaixão pelas pessoas com as quais temos algum conflito, mas é isso é possível e treinável. O caminho é entender que o sofrimento que as pessoas eventualmente podem nos gerar, também não é pessoal, mas sim fruto da própria condição de vida da pessoa. A ideia é que qualquer pessoa com a mesma história de vida agiria de maneira parecida (assim como nós geramos sofrimento a outras pessoas de maneira voluntaria ou involuntária). Entendendo desde essa perspectiva, podemos gerar menos emoções negativas frente às essas pessoas, e praticar a compaixão. No fim, nós mesmos seremos beneficiados, já que teremos menos mal-estar proveniente das emoções destrutivas como a raiva e ódio.

Referência:

Garcia-Campayo & Demarzo. ¿Que sabemos de Mindfulness? Kairós Editorial, 2018.

Para saber mais:

www.mindfulnessbrasil.com (Mente Aberta – Centro Brasileiro de Mindfulness e Promoção da Saúde – UNIFESP)

www.webmindfulness.com (WebMindfulness – Grupo de Pesquisa Coordenado pelo Prof. Javier García-Campayo – Universidad de Zaragoza, informações em espanhol)

www.umassmed.edu/cfm (Centro de Meditação "Mindfulness" na Medicina, Universidade de Massachusetts, Estados Unidos, informações em inglês)

 

Sobre o autor

Marcelo Demarzo é médico especialista em mindfulness (atenção plena), professor e pesquisador na área de medicina, saúde e bem-estar. Ministra cursos e palestras sobre estilo de vida mindful, bem-estar e saúde --expertise desenvolvida em 15 anos como professor e pesquisador em vários hospitais e universidades brasileiras (UNIFESP, USP, Hospital Israelita Albert Einstein) e internacionais (Universidade de Oxford, Universidade de Zaragoza, Harvard University). É autor de livros e estudos científicos relacionados ao tema de mindfulness e qualidade de vida e realiza dezenas de atendimentos individuais e em grupo para disseminar o conceito de mindful living (viver pleno e consciente). É coordenador da Especialização em Mindfulness da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo).

Sobre o blog

Dicas e reportagens sobre saúde e qualidade de vida, com foco em mindfulness e bem-estar. Um espaço interativo para conversarmos sobre como desenvolver um estilo de vida mais mindful (pleno e consciente), que irá ajudá-lo a lidar melhor com o estresse, algo tão comum na nossa vida atual.